Olhe bem quando for ao supermercado aqui no bairro, porque ao seu lado pode estar um medalhista olímpico. Afinal, ir às compras é um dos passeios preferidos do ex-atleta Wlamir Marques, considerado o Pelé do basquete por aqueles que mais entendem do esporte.
Perto de completar 80 anos, ele chegou por aqui com a família em 1984 e nunca mais saiu da Rua Caiubi. Pensou em deixar o bairro uma só vez, quando perdeu a esposa Cecília, em 2015. “Foram 60 anos juntos, entre namoro e casamento. Depois que ela morreu, tudo me lembrava a Cecília e minha filha insistiu para que eu me mudasse”, conta Wlamir. Mas ele preferiu não ir embora.
“Eu adoro aqui, acho tudo muito bonito e tenho muitas opções perto de mim. Sou comentarista da ESPN e chego em cinco minutos por lá (a sede da emissora fica no Sumarezinho).”
A vida de Wlamir como atleta começou em São Vicente, cidade do litoral paulista onde nasceu. “Eu já nasci dentro de uma sede de futebol, o Esporte Clube Beira-Mar. Era um time amador e meu pai era presidente, a sede ficava lá em casa. Mas eu era horrível com os pés, para a tristeza de meu pai”, diverte-se. Wlamir tentou jogar futebol, mas só fazia gol de cabeça porque era bem alto: “quando eu tinha 11 anos eu já parecia ter 14.”
O primeiro esporte que ele praticou de verdade foi natação e chegou até a ser campeão brasileiro de sua categoria. Ainda era bem menino quando se mudou para uma casa que ficava atrás de um clube chamado Tumiaru. Seu tio era técnico de vôlei no clube, mas ele não queria saber do esporte. “Um belo dia eu pulei o muro de casa e vi uma garotada jogando basquete. De lá daquela quadra nunca mais saí”, lembra Wlamir.
Quando o basquete entrou na vida de Wlamir
Ainda garoto, Wlamir praticava quase todos os esportes que podia, mas teve que optar por um só. “Com 13 ou 14 anos, eu tive um problema de palpitação e minha mãe me levou ao médico. Naquela época era o médico da família, o Doutor Alcides, e ele disse: ‘Lindinha (minha mãe se chamava Hermelinda), o seu filho está com o coração dilatado, um coração de boi’, e associou isso ao esporte. Me mandou diminuir a carga”, lembra Wlamir.
Sorte a nossa que ele decidiu pelo basquete. Como sempre jogou com os adultos e era mais alto do que as crianças da sua idade, era até covardia quando o atleta disputava campeonatos infantis. “O único que disputei foi polêmico. Quase me proibiram de jogar porque na última partida foi 17 a 12 para o Tumiaru e eu fiz os 17 pontos”, garante. No dia seguinte, o jornal A Tribuna publicou um artigo dizendo que era um absurdo que Wlamir jogasse com as crianças daquela idade. “Mas eu tinha a mesma idade de todas elas. Acho que o repórter que escreveu essa reportagem tinha um filho que jogava no outro time.”
Além do Tumiaru, Wlamir Marques jogava pela escola em São Vicente e pela equipe da cidade. Foi quando chamou a atenção dos técnicos de grandes times. “Em 1953, eu já tinha 16 anos e me convidaram para jogar no XV de Piracicaba. De lá eu fui para a Seleção Brasileira.”
Ainda em 1953, o jogador foi para Mendoza, na Argentina, disputar o primeiro torneio com a camisa verde e amarela. “Eu era o jogador mais novo da Seleção. Naquela época, ela era formada apenas por atletas veteranos e a maioria do Rio de Janeiro. Ninguém nem tocava na rede e eu já cheguei fazendo as minhas molecagens”, recorda Wlamir, que foi apelidado de Diabo Loiro.
As medalhas olímpicas de Wlamir Marques
De 1953 a 1970, ele foi titular da seleção brasileira de basquete: “só fui reserva nesse jogo de Mendoza e entrei em quadra nos últimos 10 minutos. Então nunca mais voltei para o banco.”
Wlamir participou dos jogos olímpicos de 1956, 1960, 1964 e 1968 como jogador. Ganhou a medalha de bronze em 1960 e em 1964, além de ter sido campeão mundial duas vezes, em 1959 e 1963, e vice-campeão em 1954 e 1970. “Infelizmente ser vice-campeão no Brasil não vale muito. Aqui significa ser o primeiro dos últimos”, lamenta.
Se tem um arrependimento na sua vida de atleta, é não ter ido para sua última edição das Olimpíadas, em 1972. “Fui convidado para ir como jogador e como assistente técnico, mas recusei. Estava com 35 anos e tinha voltado a estudar. Vi a vida passar e pensei que precisaria ter uma profissão depois da aposentadoria”, conta Wlamir. Matriculado no curso superior de Educação Física, não deixou o estudo de lado para treinar com a Seleção. “O Brasil foi mal naquele ano, mas queria ter estado lá.”
Mesmo se aposentando da Seleção Brasileira nos anos 1970, ele não parou de jogar. Defendeu o Corinthians por 10 anos, de 1962 a 1972, e depois foi para o Tênis Clube de Campinas, em 1973. “Foi lá onde encerrei minha vida atlética, mas não houve um planejamento, foi por acaso. Não teve jogo de encerramento ou despedida.”
Em 1973, o Palmeiras contratou o jogador para também ser técnico, mas ele não podia jogar porque já tinha começado a disputar o campeonato pelo time de Campinas. Então resolveu ficar só no comando da equipe e se aposentar de vez como atleta. “Me lembro que no último jogo oficial que disputei marquei 45 pontos. Isso não esqueço.”
O dinheiro que ganhava como atleta dava para pagar 20 a 30% de seus gastos. Para sustentar a família, Wlamir também era funcionário dos Correios até se tornar professor de Educação Física. “A gente recebia uma ajuda de custo, nós éramos amadores. Quando eu deixei o XV de Piracicaba foi porque nem a ajuda de custo eu recebia regularmente e o Corinthians me fez uma proposta tentadora. Mas dentro dos clubes o basquete nunca teve um grau de importância como o futebol.”
Wlamir nunca mais jogou basquete. “Em 1988, fui para Seul comentar as Olimpíadas pela TV Manchete e me emocionei muito com a corrida de Joaquim Cruz. Quando ele perdeu para o queniano, meu braço esquerdo adormeceu.”
Ao voltar para o Brasil, o ex-jogador procurou um médico e viu que 90% de sua coronária direita estava obstruída. Fez um cateterismo e deixou de arriscar de vez os lançamentos. Nem pelas ladeiras do bairro ele anda a pé. “Todo mundo me pergunta por que só ando de carro por aqui. Sempre respondo que é porque eu ainda não estou a fim de me suicidar. Olha essas ladeiras! Se eu tiver que subir a pé da Sumaré até em casa será preciso um carro de resgate aqui em cima para me reanimar”, brinca Wlamir.
Depois de ter feito tantas cestas, hoje ele é da lei do mínimo esforço. Se pedem para ver suas medalhas, Wlamir Marques diz que não está com elas para não ter que lustrá-las. “Mas elas estão bem guardadinhas”, garante. Após a morte da esposa ele costuma comprar marmitas nos botecos da Cardoso de Almeida ou comer no quilo que fica dentro de um de seus supermercados favoritos.
Gosta da vida simples, mas não foi por isso que recentemente se recusou a carregar a tocha olímpica. “Eu tinha aceitado, mas me mandaram um e-mail com um questionário para responder e no final ainda diziam que meu nome estava sujeito à análise. Me senti ofendido e recusei, disse para me deixarem de fora”, explica. O COB tentou se desculpar e insistiu para que Wlamir voltasse atrás, mas ele preferiu ficar quietinho em casa. “Eu tenho outras quatro tochas no meu peito, que representam cada uma das minhas participações em Olimpíadas e que tem um valor enorme para mim. Essas eu guardo no coração.”
Na televisão como comentarista da ESPN, na fila do supermercado, comprando uma marmita na Cardoso de Almeida ou no trânsito, pelas ladeiras do nosso bairro, preste atenção. Você pode estar ao lado de um dos atletas mais importantes que o Brasil já teve. E ele é nosso vizinho!
Quem ainda não encontrou com Wlamir pelo bairro pode ficar de olho nas transmissões de basquete da ESPN Brasil, onde ele é comentarista especial das Olimpíadas. Ele também é personagem do documentário “3 pontos: Basquete, Rap e o Jejum“, feito pelo projeto Memória do Esporte Olímpico Brasileiro.
No Comments